A Persistente Sub-Representação de Mulheres na Política

Maria Cecília Eduardo e Karolina Roeder

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Apesar dos avanços nas últimas décadas, as mulheres ainda enfrentam uma sub-representação significativa na política. Este texto explora as razões históricas, culturais e estruturais que perpetuam essa desigualdade, destacando como a divisão entre as esferas pública e privada, o capital homossocial e as normas políticas liberais contribuem para a exclusão das mulheres. Além disso, analisa as medidas que têm sido implementadas para mitigar essas desigualdades e sugere a necessidade de uma abordagem crítica e inclusiva para alcançar uma representação política verdadeiramente democrática. Apesar dos avanços nas últimas décadas, as mulheres ainda enfrentam uma sub-representação significativa na política.

Este texto explora as razões históricas, culturais e estruturais que perpetuam essa desigualdade, destacando como a divisão entre as esferas pública e privada, o capital homossocial e as normas políticas liberais contribuem para a exclusão das mulheres. Além disso, analisa as medidas que têm sido implementadas para mitigar essas desigualdades e sugere a necessidade de uma abordagem crítica e inclusiva para alcançar uma representação política verdadeiramente democrática.

A participação das mulheres na política é um tema que precisa ser visto sob a perspectiva da história e das estruturas sociais. As democracias modernas, desde os séculos XVII e XVIII, foram construídas com base em uma divisão clara entre o público e o privado. Pensadores como John Locke e Jean-Jacques Rousseau ajudaram a definir essa separação, onde o espaço privado, associado ao lar e à maternidade, era visto como o "universo feminino", enquanto a esfera pública, ligada à política e à sociedade civil, era considerada "masculina".

Essa divisão não só limitou as mulheres ao espaço doméstico, mas também desvalorizou o trabalho realizado nesse ambiente e reforçou estereótipos de gênero que ainda hoje dificultam a plena participação das mulheres na esfera pública. Os direitos e a liberdade civil, conforme defendidos por muitos, eram privilégios masculinos. Carole Pateman destaca que "a liberdade civil não é universal – é um atributo masculino e depende do direito patriarcal".

Teóricas feministas criticam a ideia de que as normas políticas liberais são neutras e universais. Nancy Fraser, Carole Pateman e Jane Mansbridge apontam que essas normas são baseadas em padrões culturais que favorecem alguns grupos sobre outros, resultando em um tratamento privilegiado para os homens. Na prática, a suposta neutralidade das regras políticas perpetua a desigualdade de gênero.

Mesmo com mudanças no modelo de organização do Estado liberal, suas instituições ainda não são neutras em termos de gênero. As relações desiguais entre homens e mulheres são mantidas pelas estruturas existentes, limitando o desenvolvimento pleno das capacidades das mulheres e sua autodeterminação.

Mulheres de todas as classes e etnias foram por muito tempo excluídas da participação política formal. Mesmo após a conquista do direito ao voto, ainda existem barreiras informais que impedem a paridade de participação. As desigualdades materiais e culturais perpetuadas pela dominação masculina continuam a ser um obstáculo para uma representação política democrática.

O conceito de capital homossocial, no campo do institucionalismo feminista, ajuda a entender a exclusão sistemática das mulheres em contextos em que práticas informais prevalecem. Elin Bjarnegård chama a atenção para as redes clientelistas, onde a confiança

é crucial e a previsibilidade é mais provável entre homens devido à importância dada ao capital homossocial nas redes clientelistas. Isso perpetua a exclusão das mulheres, que não são vistas como membros ativos nessas redes, mesmo que possuam níveis equivalentes ou superiores de capital cultural e social.

O capital homossocial enfatiza a tendência de homens colaborarem com outros homens em ambientes competitivos e instáveis, como a política. Nesses contextos, os indivíduos privilegiam as conexões com aqueles possuem recursos importantes, normalmente homens, e preferem colaborar com aqueles que lhes conferem previsibilidade. A similaridade funciona como um atalho cognitivo, nesse sentido, dando previsibilidade aos integrantes da rede e colaborando com a exclusão de mulheres.

Para combater essa desigualdade, medidas como a distribuição proporcional de recursos financeiros para candidatas mulheres, implementada no Brasil em 2018, são essenciais. Kristin Wylie mostrou que essa medida nivelou mais o campo de disputa e aumentou a ambição política das mulheres. No entanto, a distribuição de recursos ainda é controlada por partidos que muitas vezes mantêm regras informais com viés de gênero.

Quando um grupo dominante estabelece as normas, aqueles que não se encaixam são percebidos como desviantes ou inferiores. As instituições políticas, mesmo em democracias, ainda carregam um viés de gênero que restringe a entrada de mulheres nos espaços de decisão. Portanto, a análise da participação feminina na política deve considerar que as regras e dinâmicas foram estabelecidas sob critérios masculinos, demandando medidas específicas para reduzir as desvantagens das mulheres na representação política.

Em suma, o gênero molda as interações sociais nas instituições políticas, criando obstáculos informais que dificultam a entrada das mulheres na política. Entender a teoria da representação é crucial para reconhecer a importância da presença feminina no processo político.

Referências Bibliográficas

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Young, Iris M. Justice and the Politics of Difference. Princeton: Princeton University Press, 1990.


Karolina Roeder

Doutora em Ciência Política pela UFPR, professora de Ciência Política na UNINTER e pesquisadora do INCT Representação e Legitimidade Democrática ReDem. Pesquisa partidos políticos, estrutura, financiamento e atualmente tem como foco o impacto de instituições formais e informais na representação de mulheres na política.

Maria Cecília Eduardo

Doutora em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná. Pesquisadora de pós-doutorado no INCT Representação e Legitimidade Democrática (ReDem). Interessada nos temas participação política de mulheres, financiamento de campanha e gênero e teoria política feminista.

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